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EM VERDADE VOS DIGO

Recanto do pensamento

EM VERDADE VOS DIGO

Recanto do pensamento

Um conto

mcarvas, 10.06.09

 
Uma casa pequenina
enfeitada com alpendres
desenhos de madeira em renda
que a punham tão ladina.

No meio de denso arvoredo
mumúrios soltava a acácia
que essa luxúria lhe fazia
de noite perder o mêdo!...

nos beirais, tons em pastel
onde se espraiava o sol
que como um grande farol
compunha n'ele seu farnel.

Os malmequeres defilavam
em canteiros miúdinhos
aos pés tinham espinhos
das roseiras que brotavam.

Num canto daquele jardim
tinha um sobreiro velhinho
num ramo ganchos pendiam
com dois vasos de alecrim.

Junto à sacada d'entrada
um pequeno espelho d'àgua
um canteirinho de salsa
repasto da passarada.

Um baloiço cirandava
no bafo d'esta bonança
que sob o céu tudo alcança
um sorriso de criança!...

MC

Precipício

mcarvas, 10.06.09


Abram-se barreiras à frenre
montem-se das mais fortes
que façam frente a esta sorte
tão dura e grosso porte!

Não hája ponto de origem
que ouse zurzir quem o note
nem mais ceda à passagem.

Soltem a fúria com vigor
desdenhando estar presente
p'ra não mais alguém tente
lavrar em vida o ardor!...

Que seja tolhido do tempo
das heras da maldicência
purguem da terra a essência
que acorda o desalento.

Sangrem toda a palavra
que envolva sentimento
não mais gerar tal elemento
seja nesta ou noutra hera.

MC

 

Espaço

mcarvas, 04.06.09


Numa lágrima caída
colhi a côr da dôr
pediu-me ela com fervor
que a não deixasse perdida.

Alheeia de seu fermento
pousando-a bem junto à pêle
para lavar fel e mel
desse seu chão lamacento.

Os dias foram passando
e a lágrima secando
secando com ela o pranto
lágrima do pensamento.

Contos em côro partiram
deixando um espaço vazio
é um lugar tão exíguo
onde não teme que o sigam...

Secou por dentro e por fora
no curto verão da vida
perdeu encejo na partida
não mais almeja a chegada!...

MC

 

Trevas

mcarvas, 04.06.09


Soltem, soltem os penhascos
abrindo as portas ao meio|
Neste ermo em permeio
urra na fossa o carrasco!...

Soltando brados, vocifera
dentes negros e afiados
vai moldando o cajado
que há-de sotar tal fera.

É neste chão putrido
que as osgas somem no pó
não há termo que de dó
some-se em vida perdido!

Que os negros trapos do dia
caçem e soltem as trevas
soêm tambores de guerra
consumidos na fadiga.

Pasmem-se, infios e ínfias
ao desfilarem nas trevas
que constrem novas heras
sob o jugo da quimera.

Que os cantos acordem todos
primeiro os mais sombrios
trazendo consigo testigos
e venham prenhes de castigos!

Que esses do desgarrado
soltem e atiçem os cães
para que não voltem sãos
venha, venha por fim o degrêdo!...

MC

 

Festa d'eleição

mcarvas, 04.06.09


Cesta de verga à cabeça
pela mão leva um petiz
saltitando vai feliz
no peito, medra a esperança.

Tanto botão a espreitar
no seio daquela cesta
leva flores para a festa
que está quase a começar!

É uma asáfama no largo
junto à capela maior
alva, que é um primor
no dia do redentor.

O sino então parado
sente o badalo a zurzir
a passarada a fugir
só para no meio do prado.

Já o sol tinha acordado
quando a fanfarra chegou
e logo o bombo soou
na calçada de empedrado.

Rua acima, rua abaixo
anda o mordomo ligeiro
este ano o Zé gaiteiro
tem de soltar mais um facho.

A criançada atrevida
vai puxando o pêlo à burra
que leva no lombo verdura
com ar de cumprometida.

Com os olhos ainda inchados
passa a Alice a remoer
ainda lhe deve doer
perder a noite de fados.

Cantadeira d'eleição
perdeu-se nos copos com o Zé
não mais se segurou de pé
foi uma complicação!...

O Zé um pouco atrevido
com os copos é bem mais
sem tempo p'ra soltar um ai
mete-lhe a mão no vestido.

Logo saltou confusão
ao se sentir apalpada
pegou-se tudo à paulada
no Zé estendeu a mão.

O tasqueiro não gostou
de vêr o negócio estragado
correu tudo à mocada
até a Alice larpou.

Toca a banda no coreto
e o madraço abre um olho
num banco cheio de folhos
estendeu o seu tapete.

A Rosa, moça prendada
que todo o largo enfeitou
ao vêr o que o madraço estragou
ferra-lhe grande estalada.

Homem de fala pausada
ao vêr sua filha danada
sem soltar uma só fala
assenta-lhe forte paulada.

No largo engalanado
tudo alinhado prás festas
foi porrada até ás tantas
ninguém foi posto de lado.

Gaitas com foles inchados
bombos e cacos de gesso
tudo serviu p'ra arremesso
no fim cabeças rachadas.

Festa de se tirar o chapeu
não há no lugar outra igual
ninguém levou por mal
tudo que nada perdeu!...

MC